Tinha
algo além da indecisão que a atordoava, e não era nada banal. Não
era algo como recado indesejado dado, como que sem o aviso prévio da
consciência de quem lhe entregou. Seria bom se soubesse o que era.
Parecia-se com a angústia, mas não era tão sufocante.
Levantou
de sua cadeira, provocando o assombro de todos, segurando em uma mão
a .380 e em outro, a flanela. Sabia que era um cuidado quase
desnecessário, se não se levar em conta, claro, a estética do
momento em que fosse necessário usá-la. Pensava nisso inclusive
como requinte de crueldade, não que se orgulhasse disso.
– Não
vou ficar parada esperando pelo que não virá - disse a uma voz que
beirava a sutileza do barulho de seu caminhar, mas audível o
suficiente a todos da sala.
Se
lançou porta afora, para sair a rua.
Os
outros ficaram se olhando com o rosto encharcado de perplexidade,
como que se por alguns segundos estivessem tentando sintonizar um a
mente do outro para entendê-la, e decidir como agir.
Os
dois homens de capa saíram atrás dela, sem nenhuma vontade de
impedi-la ou dissuadi-la, menos ainda por preucupação com o fato de
ela ir sozinha, sabiam que quem estaria lá não causaria problemas a
ela. Estavam há dois dias naquela incerteza e sem ação.
– Malditos,
realmente souberam nos deixar confusos – e percebiam que nisso, os
seus oponentes neste Jogo eram mestres.
– Já
que estamos entre amigos agora, que tal contar realmente o porque do
anel estar contigo.
– Já
lhe falei, não posso, não sou desleal, e juro que não foi da Dona
que peguei.
– Achei
que nossa lealdade fosse maior que qualquer outra. Não sou do tipo
sentimental, mas entreguei a você meu caro, não só a minha
amizade, mas meu coração.
– Cala
a boca! Entregou sim seu corpo, para sanar suas necessidades, admita.
Agora quer fazer joguinho emocional.
– Mesmo
que fosse, o fato de estar contigo pode ser muito importante para a
nossa estratégia, a não ser que você não esteja jogando só do
nosso lado.
– Como
ousa, dizer que me ama e suspeitar assim de mim.
– Esse
seu olhar nunca me enganou, você é o traidor, você entrega os
nossos passos. Como sou idiota – berrou sacando o 32 que estava no
cano de sua bota.
Caiu
antes de conseguir fazer a mira, seu movimento fora previsto, seu
companheiro de crime e de cama o olhava, aterrorizado consigo mesmo.
Dentro
daquele olhar de terror restou a dúvida. Por que seu amado alvo não
sacou a pistola da cintura? Se o tivesse feito, não teria tempo de
sacar a sua, e estaria morto. Ele era profissional e essa falha não
poderia ter sido fruto do acaso, ele fez de propósito, como uma
última prova de amor.
Os
outros dois agora esperavam dentro do carro conversando:
– Já
pensou como as pessoas agem de maneira mecânica?
– Trabalhar,
estudar, etc?
– Não
só isso. Se interessar pelas coisas, parece que cada paixão, cada
nova invenção é um dentinho de uma engrenagem, e não importam as
escolhas.
– Tipo...
destino?
– Odeio
essa sua mania de responder tudo com uma pergunta.
– Como
agora?
– Não
é destino, é tudo aleatório mesmo. Você perde um ônibus e ao
pegar o próximo encontra alguém, que é totalmente aleatório, e
tem uma conversa que muda sua vida. Mas não pensa que no ônibus
perdido você poderia ter encontrado uma pessoa que pudesse te
apaixonar, proporcionar filhos, lar com cachorros e tudo, essas
coisas. Entende?
– Não.
Os
tiros.
– Vamos
lá, só não entendi essa de não matar antes de dez minutos.
– Deve
ser para se ter certeza da distância.
Ela
entrou no carro, e enquanto andavam começou a contar como fora, dos
capangas baratos, da Dona amarrada, conseguia disfarçar exatamente
suas emoções, com frieza andou naquela carona, contou quase uns dez
minutos, para dar certeza de uma distância mínima. Os dois
imaginavam que ela jamais sacaria o plano, mas não, e perderam bons
minutos, quando aconteceu nem dera tempo de fazer como os agentes.
Não daria tempo para nada mesmo, o carro explodiu.
Enquanto
isso, ele continuava na sala, com a arma na mão. Agora parou para
pensar que boas decisões deveriam ser tomadas quando regadas a
whisky, preferencialmente ao som de Lynyrd, o whisky tem essa
peculiaridade fantástica, de proporcionar momentos bons para tomar
decisões. Depois de ter ouvido todo o plano, percebeu o quanto era
miserável, idiota, inútil, e manipulável. Não lhe restava
alternativa, era impensável, como se um instinto natural o levasse a
atirar.
O
último, por sua vez, tomou mais um gole de whisky, pôs edge of
forever para tocar, começou a falar, falou tudo que era necessário,
delicadamente, sem restar nenhum pingo de remorso. Afinal, o plano
dera certo. O anel não era da Dona, claro que não, e esse foi seu
trunfo.
O
casamento com a Dona pelo menos lhe rendera a herança, além do
anel.
E
os outros dois até ficavam bem, além de bem hilários. –
engraçados pra caralho, na verdade, ex agentes hehehe – falou
segurando com os dentes o cachimbo.
- E
pensar que os dois achavam que iriam ganhar o Jogo, na verdade
ganharam, só não receberão o prêmio.
Só
uma coisa lhe atordoava, talvez a menina que julgou ser boa o
suficiente para fazer o trabalho sujo, fosse boa demais. Ao menos ele
sabia o que lhe atordoaria, afinal isso também fora um de seus
trunfos.
E
de esforço, só o último passo e sabia que lábia para isso tinha,
convencer um homem transtornado a se matar. Terminou o serviço e
parou para pensar que boas decisões devem ser tomadas quando regadas
a whisky....
R.F.