quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sem Luz


Henrique acordou naquele domingo quase ao meio dia como de costume, já sem a coberta que seu pai havia tirado a mais de meia hora para fazê-lo acordar, já estava se habituando a isso. Levantou-se, foi ao banheiro fazer suas necessidades e no caminho já ligou seu Notebook. Quando saiu do banheiro notou que seus vizinhos estavam lendo no quintal, achou estranho, mas não deu muita bola. Quando começou a olhar suas redes sociais na internet seu pai o chamou para o almoço.
            Comeu pouco do churrasco e da mandioca naquele dia, pois havia bebido muito noite passada e estava sem fome como qualquer adolescente de ressaca. Seu pai insistia, mas já sabia do filho que tinha, por isso já não fazia a mesma quantidade de comida aos domingos.
            Quando terminou o almoço seu pai o fez lavar a louça, então lavou, pegou um copo de refrigerante e foi ao Note.
            Já havia acabado a bateria, “que bostas tecnológicas”, pensou ele enquanto pegava o carregador. Ligou na tomada, mas não adiantou, ficou um bom tempo tentando, mexendo, batendo no seu aparelho, mas nada adiantava. Seu pai olhava de canto, fumando um cigarro e tomando um conhaque com um sorriso um tanto debochado no rosto, se divertindo vendo o desespero do filho em relação a maquina que não ligava, até que falou:
            - Não adianta maltratá-lo guri, estamos sem luz desde a madrugada, vai dizer que não percebeu?
            - Sem luz? – respondeu Henrique – Como sem luz?? Você não pagou a conta de novo seu irresponsável?
            - Claro que paguei guri, o bairro inteiro está sem luz pelo que vi. Os nossos vizinhos aqui do lado, que sempre acordam cedo e ficam vendo televisão até o almoço, já vieram pedir alguns livros emprestados pra passar o tempo...
            - Meu Deus! Estamos sem TV também?!
            Que guri ignorante pensou o pai, o que eu fiz de errado? Então falou:
            - Claro Henrique! Achou que fosse a lenha seu imbecil?
            - Puta que o pariu pai, o que eu vou fazer em pleno domingo sem computador, sem TV, sem meu videogame?
            - Sei lá, vai jogar o verdadeiro futebol com teus amigos ao invés de ficar jogando sentado em frente uma TV, é uma boa oportunidade pra isso.
            - Tu só podes estar bêbado! Jogar futebol... Assim na rua tu dizes? Não sabe que isso cansa e eu posso até me machucar.
            Onde foi que eu errei, pensou novamente seu Adalberto, no seu tempo tinha que fugir dos pais pra poder jogar mais futebol na rua e hoje seu guri não quer jogar um pouco por necessidade, até ele tinha ficado com vontade de ir jogar na rua, não fosse sua hérnia... Começou a lembrar do seu tempo de peladeiro nas ruas de Santa Rosa, era sempre um dos primeiros a ser escolhido no campinho da rua. Mas lembrou que tinha um filho pra criar agora, pior que os colegas do filho provavelmente também tinham medo de jogar futebol na rua, então tentou outra abordagem, não mais esperançoso que antes.
            - Que tal ler um livro? Tu sabes que o pai tem uma boa biblioteca em casa.
            Esse velho só pode estar ficando caduco, pensou o guri, ler, em casa, sem ser a pedido da escola?? Porque eu faria isso? Não tem sentindo nenhum. Tentou ser educado na resposta, pois estava vendo o esforço do velho pai.
            - Obrigado pai, mas acho que vou voltar a dormir, ainda estou cansado de ontem, quem sabe quando acordar a luz já tenha voltado.
            - Você que sabe, respondeu seu Adalberto.
            Henrique voltou a dormir, e seu Adalberto, sabia que tinha grandes chances da luz não voltar ainda hoje, então resolveu seguir seu próprio conselho e pegou um livro para ler, pois sabia que era melhor ficar acordado agora do que de noite sem luz alguma. Na verdade iria reler, pois com a correria de trabalho e a quantidade de alternativas na televisão, fazia muito tempo que não ia a um Sebo comprar um livro. Olhando na sua estante, pegou um. O velho Hemingway pensou ele, esse sim sabe escrever, descrever um lugar, um dos autores que mais o sentia fazer parte da história, e ainda o faz relembrar seus velhos tempos pescando no rio Uruguai e lendo embaixo das árvores na encosta do rio... És tu mesmo, The Old Man and the Sea, disse vendo a capa de O Velho e o Mar. Então foi até a cozinha, fez um chimarrão, e leu todo o livro em uma térmica de água quente. Quando terminou já via o Sol querendo se esconder atrás dos prédios da cidade, resolveu dar mais uma caminhada para ver se havia algum sinal de energia elétrica.
            Por todas as ruas que passou a grande maioria das casas não dava sinal de vida, alguns poucos liam a pouca luz do Sol que ainda havia. Então voltou para casa, acendeu um cigarro, serviu uma dose de seu conhaque, sem gelo infelizmente, pensou ele, e ficou sentando esperando o sono bater. Quando terminou o conhaque foi dormir, afinal independente de qualquer coisa, segunda-feira é dia de trabalhar.
            Henrique acordou algumas horas depois, com muita dor nas costas por dormir tanto, tentou ligar a luz, não conseguiu, brigou um pouco com seu Note e sua TV e nada novamente. Que merda, pensou ele, ainda sem luz! A merda maior é que já gastei tudo e mais um pouco do meu sono nessa tarde.
            Caminhou um pouco pela casa só por caminhar, olhou pela janela, um breu que nunca tinha visto, por algum motivo gostou daquilo, foi para cozinha serviu um copo do conhaque de seu pai e foi tomar sentado em frente da casa. Olhou ao redor, não viu ninguém por perto, então olhou para cima, Meu Deus, pensou, o que são esses pontinhos no céu? E essa faixa meio esbranquiçada que passa por todo o céu, que maravilhoso, que bonito, isso sempre esteve ai? Pensou em voz alta. Como nunca reparei? Então ficou horas ali sentado olhando as estrelas e a Via Láctea que até então desconhecia, até que a bebedeira bateu e dormiu sentado.
            Na manha de segunda-feira, seu Adalberto levantou, tentou a televisão, ainda nada de luz, que merda, pensou, então tomou seu café com bolachas, já que os frios que tinham já estavam podres devido à falta da geladeira, e foi ao trabalho. Quando fechava o portão viu seu filho deitado na cadeira em frente à casa, que inconseqüente pensou ele, não sei como não o carregaram embora... Jogou uma pequena pedra em cima do filho, jogou outra, até que o guri levantou num susto, enquanto o filho olhava ao redor, com cara de assuntado ainda gritou:
- Vai tomar um banho frio e ir pra aula guri! Já está na tua hora!
Henrique levantou e entrou na casa.
Seu Adalberto indo ao trabalho tentou conectar o rádio e não conseguiu, então botou um CD e foi ouvindo música clássica. Quando chegou ao centro começou a notar que as coisas não iam bem, as sinaleiras não funcionavam, o Nacional havia sido completamente saqueado, assim como a loja de roupas de sua prima, coitada da Jessinha, pensou ele, que droga de gente, não sabem o quanto as pessoas lutam para isso... De repente freou bruscamente, havia cerca de dez corpos totalmente ensangüentados e esquartejados em sua frente, olhou na praça ao lado havia braços e cabeças por entre os bancos e árvores. Meu Deus, onde você esteve noite passada? Como isso pode acontecer? Deu uma ré rapidamente e chegou até o escritório. Chegando lá viu a cara de susto dos seus colegas, até o Marcão que deveria estar em La Paz agora, estava ali branco como todos.
- Vocês têm noção do que esta acontecendo? Marcão você não deveria ter viajado, poderia ter escapado dessa situação.
- De que jeito Adalba? Disse Marcão, os aeroportos estão todos fechados, não temos contato com nada e ninguém, toda a região, até onde tive noticias, está sem energia elétrica, cerca de doze policias morreram na última noite tentando impedir os saques, mas a população pra isso é mais forte que o estado.
- Alas puxa! A coisa enfeio mesmo. Aquilo lá na praça do centro, vocês viram? Se foi briga de gente, eles deviam estar muito alterados pra fazer aquilo.
- Bah Adalba, tem várias versões pra aquilo, tem um vizinho do meu irmão que disse que desceram do céu umas coisas, meio gente meio lagarto, que fizeram aquilo, mataram por matar e foram embora. Alguns representantes da prefeitura falaram que foi briga de gangues, mas ninguém dos bombeiros, policias e hospitais quis ir até lá recolher os corpos por medo.
- Barbaridade! Acho que vou pra casa ficar com meu guri então, sem computador não se trabalha mesmo e estou com medo de deixá-lo sozinho.
- Vai, mas com cuidado. Acho que não devemos entrar em pânico, por que afora esse massacre na praça, não ficamos sabendo de nenhum outro caso de morte por aqui. Mas é bom se proteger de qualquer forma.
- Certo, vou indo.
Saiu do escritório pegou o carro e voltou por outro caminho para casa, para não ver aquela cena novamente. De repente enquanto ia dirigindo até sua casa escutou uma espécie de campainha em sua cabeça. Que merda será agora pensou. Então escutou de dentro de sua cabeça uma voz fina e estranhamente estranha.
“Primeiramente amigos humanos, isso não é a voz de sua consciência, eu sou membro da OGU, Organização das Galáxias Unidas, e vou ser o comunicador dessa etapa de mudanças em seu planeta. Na última reunião da OGU, ficou decidido que iríamos retirar toda e qualquer forma de produção de energia elétrica do seu planeta até que vocês sejam capazes de produzir novamente. Aonde havia usinas nucleares e parque eólicos agora existe mata, aonde havia usinas hidrelétricas os rios fluem naturalmente, painéis para produção de energia solar foram desintegrados. Ou seja, vocês terão que se organizar em grande escala, vão precisar de toda educação que aprenderam nas escolas do mais básico até o mais avançado, se quiserem ver televisão e navegar na internet mais uma vez. E para os que estão se perguntando se havia algum representante da Terra nesse conselho, havia sim, e o senhor Raul Seixas concordou inteiramente com a medida tomada.”
 Minha nossa, pensou seu Adalberto, Raul não morreu! Devo estar enlouquecendo, que loucura. Deu uma gargalhada. Quando eu contar isso pro Henrique ele vai pedir pra eu parar de beber.
Olhando para o prédio da frente viu um tumulto estranho, pessoas ao redor olhando ao chão, algumas correndo para os lados, e o pior, algumas se jogando de cima dos prédios. Será que estavam tentando roubar lá em cima e acabaram sendo jogadas para baixo, pensou. Nisso viu se filho saindo do tumulto e acenando em sua direção.
- Pai, pai, você ouviu aquela voz na sua cabeça também?
- O que? Eu não estou louco? Vocês também ouviram?
- Sim pai, todo mundo ouviu, o Pedro falou que três gurias e dois guris do prédio dele se jogaram do oitavo andar depois de ouvir que não teríamos energia elétrica e teríamos que construir tudo novamente.
- Meu Deus, o que esse povo tem na cabeça?
- todo mundo desconfiado de tudo, não sabem o que vão fazer, como vão construir alguma coisa sem energia?
- Bah Henrique, eu é que não sei, mas deve ter alguma forma de chegar até a situação que estávamos tecnologicamente. E também, por mim, podemos ir se virando sem energia também.
O velho ficando louco pensou Henrique, viver sem energia, isso é impossível. Nisso chegou o amigo de seu Adalberto que trabalha na universidade.
- Pessoal, por favor, escutem, temos que nos unir, daqui à uma hora terá uma reunião em frente à universidade para ver o que podemos fazer, alguns professores e engenheiros acham que se todos trabalharem podemos fazer painéis de energia solar e represar boa parte do rio e conseguir energia pra cidade, mas parece que vai ser racionado, vamos ter somente algumas horas no dia para usar, e provavelmente vai demorar alguns meses até conseguir alguma coisa.
O povo que estava ao redor cochichou entre si ressabiado com essa história, Adalberto e Henrique foram indo pra universidade. Na hora da reunião havia apenas trinta pessoas lá, sendo que a cidade tem mais de trezentos mil habitantes. Foram chegando os boatos de porque tão pouca gente. Alguns diziam que muita gente foi embora com esperança que tivesse alguma coisa melhor em outras cidades, ocorreu muitas mortes nesses dois dias também, há boatos de mais de cinco mil mortes, sem saber ao certo o motivo. Alguns dizem que quem gritava com o tal mensageiro da OGU era morto na hora, mas eram somente boatos. Muitas pessoas também preferiram ficar em casa achando que estariam mais seguras e que a luz voltaria em algum momento.
A reunião foi uma baderna, sem organização nenhuma, cada um tinha uma idéia, e sempre quem dava a idéia colocava muito trabalho aos outros e ficava com o serviço da coordenação para si. Muitos se revoltaram, e depois que os dois engenheiros começaram a brigar a socos e pontapés seu Adalberto e Henrique decidiram que era hora de voltar. No caminho pra casa Henrique foi pensando em como poderia resolver esse problema, até que depois de algum tempo meditando descobriu qual era a solução para ele e seu pai saírem dessa situação nada agradável. Quando chegou em casa, pegou o 38 de seu pai e deu um tiro na cabeça dele enquanto ele lia distraidamente um livro, e chorando pegou a arma, colocou em baixo da sua própria cabeça e terminou de solucionar o problema.

G.G.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Sobriedade

Salve ao estado de espirito
unitariamente sombrio
que tenho encravado em meu peito
sucitado pelas imagem
indecorosas e doloridas

doloridas e erradas para mim
triste ser que nunca enxergará
o quanto é limitado o meu querer

dignos de compreensão
são as vontades dos outros
nobres seres
que não pensam como eu
triste ser que não pensa como ela

qual o real sentido dessa vertigem?
Se alguém explicar
engarrafe e venda

egoismo é não viver
viver é esquecer as tristezas
é se alienar dentro do ser
e filosofar dentro de seu próprio quarto
talvez seja a suprema redenção

ou não
ou isso seja egoísmo
de quem? Para quem?

Compre essa dose de ciência
que não vem sob uma solução aquosa de alcool
nem na nicotina, cafeína, THC ou cocaína
quando descobrir
venda-a

R.F.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Manchas Pretas

Tu abres um livro e o quê vês?
São apenas páginas brancas com manchas pretas
Manchas em formas que se repetem
Às vezes
Ora ora
O quê é um livro senão um livro?
O quê são palavras, textos, poesia?

Elas não dependem somente de quem às escreve
Mas muito de quem às lê
É certo que escrevem por desabafo
Como uma fuga da realidade e até
De si mesmos
Escrevem mais pra si que pra qualquer outro
Mas aquele pensamento de repente aponta ao canto
Serão bonitas as palavras?
Estarão sincronizadas mesmo as não rimadas?
Ora! Que se dane tudo mesmo!
Ninguém irá ler essa merda de qualquer jeito!
Mas se algum dia alguém ler
Que não enxergue apenas
As páginas brancas
Com manchas pretas espalhadas
E de alguma forma sincronizadas

Não precisam chorar de emoção
Guardar no canto do coração
Mas ao menos aquele leve
E pequeno sorriso no canto da boca
Os olhos que se abrem um pouco mais
Como que para ler melhor e pensar
-É... Não é tão ruim assim...
Pra um conjunto de manchas pretas
Numa folha branca de papel.

G.G.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Justo


Sou uma pessoa justa. Sou muito correto. Leio muito, muitos livros, revistas, jornais e às vezes até na internet leio. Meus companheiros de profissão dizem que não deveria ler tanto, mas leio. Eles não passam de um bando de ignorantes. Meus amigos, gente boa, já salvaram minha vida, mas muito ignorantes, não chegam perto do conhecimento que eu tenho. Sou tão correto que nem ao menos lembro a última vez que matei uma pessoa, isso deve fazer muitos anos mesmo. Os colegas dizem que brinco com a sorte sendo assim, são ignorantes e imorais. Na nossa última operação salvei um homem da morte, o Bola queria matá-lo, mas eu disse “ Não Bola, esse cara deve ter família, um lar pra sustentar, ele não vai abrir a boca, não é mesmo rapaz?” e o homem fez que sim com a cabeça meio que chorando e com as calças molhadas do apertão que o Bola fazia nele. É um sem noção mesmo, salvei o homem, foi embora. Quando saímos para ir pro depósito tive que matar uma criança, nove anos parecia, estava ali vendo tudo e começou a chorar, atirei no meio da pequena testa. Fiz o que tinha que ser feito, crianças não sabem ficar quietas. Alguma leitora não acostumada a leituras (pra não dizer ignorante) deve estar estranhando, disse que não lembrava a última vez que matei uma pessoa e digo que na última operação matei uma criança. Entendo as pessoas com deficiência de cultura, mas na minha grandiosidade explico aqui a esses pobres. Como já li muito, em mais de um livro percebi que uma criança ainda não é um homem, uma pessoa. Aquela criança não sustentava ninguém, só dava gasto para alguma família. Com isso, não agi de modo incorreto, imoral ao matá-la, talvez seus pais até me agradeceriam se eu deixasse saber o que eu fiz, mas infelizmente a sociedade atual ainda não percebe essa verdade. Então tenho que me manter no anonimato.
            Algumas leitoras já devem ter percebido minha profissão, também no anonimato para a maioria, sou assaltante de bancos. Vejam bem de bancos. É importante frisar isso para não acharem que sou uma pessoa ruim, sem moral e ética alguma. Não tiro nada de pessoas nas ruas, que batalharam para ter o que têm. Alguns do grupo ainda fazem isso, mas sempre que fico sabendo repreendo esses idiotas. Como sou evidentemente o mais inteligente de todos, sou o líder, os mais novos do grupo e do bairro me tem como modelo. Nós vamos uma vez por mês a Rivera comprar bebidas, alfajores e explosivos. É tudo que precisamos para o trabalho, no retorno a nossa cidade, que aqui chamarei de Sapucaia, já entramos de preferência em alguma cidade pequena, com menos de vinte mil habitantes e explodimos algum caixa eletrônico de banco. Assim temos dinheiro para um bom tempo.
            Não sou de gastar muito, tenho uma vida simples. Semana passada comprei uma TV de 49 polegadas tela plana para assistir meus filmes favoritos, faroeste e máfia. Quando era mais novo e mais ignorante ficava horas com meus companheiros olhando a mesma cena de um filme para tentar fazer igual no assalto real. É claro que não acabou bem, coitado do Pé, foi baleado nas pernas numa dessas, por ele mesmo. Teve que se aposentar, hoje ele cuida das finanças do negócio, como ele precisa de cadeira de rodas, e não tem uma, temos certeza que ele não fugirá com a grana, por isso deixamos que ele cuide de todo o dinheiro e distribua igualmente a todos.
            Todo mundo da cidade nos conhece, e sabe o que fazemos para sobreviver. Todos, desde o gari até o prefeito, passando por policiais e advogados. Mas esses advogados principalmente não falam nada, tenho orgulho de dizer que já matei cinco, só não matei mais por que não me chamaram mais para o serviço, esses ladrões, pilantras, imorais e aproveitadores. Estudam cinco anos numa universidade para saber a melhor maneira de aproveitar da classe média da sociedade para sobreviver, sanguessugas imbecis traíras. Na ultima eleição conseguimos colocar o Parafuso, também conhecido como Marcos Silva, para vereador. Ele conta cada coisa nas nossas reuniões, esses políticos têm cada idéia, uma mais abominável que a outra, quanto mais estudo tem o político, mais quer roubar. Desde que o Parafuso assumiu o cargo, três suplentes tiveram que assumir a bancada dos vereados titulares.
            Além dessa vida profissional ativa, também tenho uma vida pessoal muito realizada. Sou casado com a mulher mais linda do bairro. Na adolescência todos sonhavam com a Julinha, mas ela só dava pros caras ricos do centro, com carro, que a levavam a lugares bacanas. Mas depois que me tornei o que sou, um cara culto, inteligente, trabalhador honesto, ou seja, muito foda, ela se deixou levar por meus encantos e hoje é toda minha. Faz todas minhas vontades. Quando tenho algum trabalho no domingo e consigo voltar apenas para ver o jogo, eu digo a ela, “Mulher, vou voltar só na hora do jogo, me faz umas pipocas e um mate e fica sentada no lado direito do sofá por que gosto de olhar o jogo dali e quero o lugar quentinho.” Faz muito frio nessa parte do ano, ela faz o que deve fazer.
            Escrevo isso hoje para mostrar como levar uma vista honesta, sempre buscando mais conhecimento e fazer o bem não garante uma vida boa. Ontem voltei mais cedo do trabalho, por que nos avisaram da chegada de uns policiais novos para a cidade vizinha e estavam de vigia no local onde iríamos assaltar. Quando cheguei a casa, domingo duas e pouco da tarde, peguei minha mulher com o Pé fazendo isso mesmo que você está pensando, cara leitora pervertida, no meu sofá. Foi estranho e nojento. Eles olharam espantados para mim, principalmente o Pé. Passei por eles com cara de sério e falei, “vou esperar lendo ali no quarto, Pé tu estás demito, e tu mulher, limpa essa bosta depois e me faz uma pipoca, um chimarrão e esquenta meu lugar pra eu ver o jogo”.

G.G.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Aquela Mão


Aquela mão que entra no peito
Aperta com força o coração
Solta, retorna de outro jeito
Gruda as unhas com emoção

Paixão, amor, ódio, angustia
Sentimentos, realidade que assusta
Não saber se foi certo ou foi errado
Ter aquele velho amor matado

Difícil de tirá-la de dentro
Quando menos se espera ela vem
Até na distraída cerveja no centro...

Quero que você saia agora
Não sei se por mal ou por bem
Com altas doses de uísque tu irás pra fora!

G.G.

Não Sei

Ele ainda estava lá, a observá-la. Como uma víbora a aprisionar sua vítima com o olhar soturno, era mestre nisto.
Não eram as botas, nem o sobretudo e muito menos os traços Maccartianos do rosto, mas sim o olhar, que muito pouco de belo possuía, negro, sem nenhum furor.
Conseguia simplesmente com aquele dom, que sabia ser sufocante, prendê-la. E isso bastava.
Ela estava ali, e hipnotizada, continuava a observar e perdia toda a noção de hora e vontade. Era incrível.
Num momento, se distraiu com um mosca, ou algo parecido, parece que colocado propositalmente pelo destino no seu campo visual e, naquele milésimo de segundo ela fugiu.
Onde estaria não quis saber, já havia conquistado o que precisava naquela noite pois acreditava, erroneamente, que se satisfaria somente assim para todo o sempre.
Ela agora corria, semi-nua, deixando os dedos resvalarem, delicadamente pelos pequenos pilares que compunham a fotográfica cerca daquela estranha boulevar.
Assim se passariam os dias, muitos, até que um som novo lhe viesse carregar ao fatídico momento da parada, do fim.
E assim ainda ficaram as duas estátuas, quase que de sal, para que alguém por elas passe e admire alguma coisa triste e vazia que ainda resta em suas silhuetas.

R.F.

sábado, 15 de outubro de 2011

Alívio

A essa altura da noite, o silêncio não ajuda muito. As destiladas e sintéticas sempre me atrairam, mas nunca como hoje. Já são quatro da manhã, e ainda estou aqui, sem nenhuma perspectiva de realmente aproveitar as substâncias que agem em meu corpo.
Estou rodeado de pessoas, mas a melhor companhia é a voz do Daltrey gritando a todo volume em nossa vitrola.
Olho para o cara com um chapéu, e olhar soturno, depois para a menina indecisa e confusa sentada ali no chão, e aquele outro que não para de falar, mesmo que ninguém preste atenção. Me divirto tentando adivinhar os pensamentos deles, o do chapéu, tenta ser o mais obscuro, mas acaba sendo o mais previsível, aposto que sei o que pensa.
O que fala muito, com certeza não pensa em nada, só está vomitando efemeridades que passam pela sua cabeça, ele não é assim, mas esse é um dos efeitos. O que não consigo prever, e estou a horas tentando, são as reações dessa menina. Será que é tão misteriosa, será que só é confusa, ou será eu que estou ficando paranóico?
Enfim, a cena que eu inconscientemente esperava. Abriu-se a porta e aquele vulto deu o primeiro passo para o interior do recinto, o brevissimo instante de ver sua mão e a ponta do seu pé passar pelo vão da porta que se abriu já era suficiente para prender minha respiração e e aquecer meu corpo.
Vê-lo então de corpo inteiro ali dentro, arrepiava cada pêlo do meu corpo.
- Vem comigo? Sabia que ele só responderia com palavras se fosse para negar. Mas ele veio.
Enfim a sós, delicadamente abri cada botão e cada laço que prendia suas peças de roupa, o mesmo fiz comigo.
Tudo foi se tornando mais simples, rápido e óbvio, e quando fui dar conta, já estavamos transcendendo encaixados.
Então lembrei, tive um instante de consciência. Parei. Começei a tatear minha cama em busca daquilo que havia deixado ali de propósito, caso fosse necessário. Ele se virou de costas, e eu não resisti, como era lindo, de qualquer ângulo e sob qualquer olhar.
Continuamos, e naquele êxtase maravilhoso, encontrei o que procurava, embaixo do travesseiro.
E desferi o golpe, aproveitando que ele não vira minha movimentação, pois naquele instante ele não conseguia abrir os olhos nem parar com aquele gemido profundo.
Afundei toda a lâmina quatro dedos acima de seu umbigo, ele gemia. Continuei, com mais dois ou três golpes que me certificaram do sucesso.
Agora estou aqui, ainda nú, deitado em meu sofá, balançando a adaga entre o polegar e o médio, com a lâmina para baixo, cambaleante, a mirar meu peito.
Agora posso terminar aquilo que comecei.

R.F.