quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Azul

 Caminhar por aí não ajudava em nada. Nada era mais como pensava ser até o momento que começou a discernir e realmente pensar. O mundo alegre, simples, todo envolto em uma aura de despreoucupação e carinho, não existia mais.
Começou a ver e ouvir realmente os sinais que apontavam para todas as gotescas falhas da humanidade, percebera, a partir daquele derradeiro dia que, a perversidade do ser humano, para algumas pessoas, costuma aflorar incontestavelmente mais forte do que o amor.
Já faziam meses, mas cada vez mais ela sentia o forte cheiro de podre da nossa sociedade, e via o quão negro era o mundo real.
– Fique calma – eles diziam – é assim mesmo.
Mas por quê? Se todas atitudes são tomadas pela nossa consciência, por quê?
Ninguém se importa mais com os sentimentos das outras pessoas, mas deveria ser diferente.
Ela não queria ficar naquela cidade, ela não precisava fazer parte dessa coisa imunda, ela era diferente.
Eram cinco horas da manhã, caminhava pela rua completamente embriagada, enojada de tudo e de todos, queria construir um mundo novo, queria ir para um lugar realmente seu.
Passando pelo estacionamento da praça, eis que surge a sua oportunidade.
– Estou realmente louca – pensava, já a quilômetros de distância da cidade.
Como era de costume, não se apegou a nenhum sentimento de culpa por ter roubado aquela moto, afinal, era uma pessoa extraordinária.
A estrada cada vez mais reta, o horizonte cada vez mais perto, a sensação de estar subindo, flutuando, voando naquela motocicleta. Naquela altitude, já via o sol nascer, e tudo começou a clarear, via o mundo lá embaixo, estranho quando olhado de cima.
A partir de determinado momento, tudo começou a ficar branco, devagar, a visão foi ficando embaçada e quando se deu por conta, estava dentro de uma nuvem.
Era lindo, era de um branco indescritivel, um branco que visivelmente, carregava todas as cores possíveis consigo.
A moto não estava mais lá, nem seus acessórios, nem sua roupa. Estava flutuando completamente nua dentro daquela nuvem. Era a melhor sensação que alguém pode sentir. Quando, após um estrondo estranho, cai.
Chuva, ela estava chovendo, se precipitando junto com a nuvem e caindo para a terra a uma velocidade surpreendente. O medo que sentia da queda, já não importava pois havia vivido a experiência mais espetacular que alguém pode viver. Ela choveu.
E quando chegou ao solo, simplesmente pousou, como se fosse um passáro na forma de mulher, que agora vestia um vestido lindo, de um pano só, que irradiava cores para todos os lados.
Ao seu redor, as cores reapareceram. A sua chuva lavou a camada imunda e fétida de poeira e lama que ali se encrostara, devolveu à paisagem de todo o mundo, as cores. O mundo voltou a ser colorido, lindo, alegre e puro.
E ao se olhar no espelho formado pela lâmina d'água no chão, percebeu o quanto era linda. Muito além do conceito já conhecido de beleza, ela é o que de puramente belo há. E que seus olhos agora herdavam o azul cintilante do céu, e quem para eles olhar, se enche instantaneamente de alegria e ternura.

R. F.

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