quarta-feira, 7 de março de 2012

Sem Nome

- Bah, to morando em Rio Grande.
- Legal, mudar é bom. Sempre vivi em Julio, e quando fiz dezoito anos sai de casa e fui ser caminhoneiro.
Estranho aceitar que alguém da sua idade possa ter objetivos tão diferentes, em uma estrada tão pequena.
- E o senhor? Se tem tanto medo, por que parou pra me dar carona?
- Qualquer um pode se expressar maravilhosamente bem com as palavras. Escrever, falar e gesticular não me garantem a verdade, mas eu vi no seu seu olhar o que realmente quis me dizer, mesmo através do parabrisas.
- Quer dizer que não dá ouvidos ao que estou tentando lhe falar?
- Se abrir a boca novamente pra falar de anarquismo te deixo aqui, no meio da estrada.
O olhar. Nunca havia refletido tão profundamente sobre isso. Creio nunca ter logrado me expressar tão bem com as palavras do que com o olhar.
Me fissurei. Agora fico por horas analisando os olhar das pessoas. A colega linda e meiga, que fala muito pouco, demonstra um turbilhar de vontades. Olhar furtivo. O cara louco que nunca consegui compreender, demostra o quão despreocupado e sincero realmente está sendo. Um olhar sereno. A menina que não para, que nunca cansa, na verdade se preocupa demais com os outros. Olhar extremamente inseguro.
E a estrada, bom, a estrada tem olhos, ninguém consegue mentir para a estrada, e ao mesmo tempo qualquer um sente o que ela realmente quer que aconteça. Como um deja-vú.
Aos poucos é possível sentir somente olhando para os dois olhos grandes da máquina, se ela parará para você ou não, mesmo antes de cruzar o seu olhar com o do ser humano dentro dela.
- Quer dizer que não acredita em deus?
- Isso mesmo, na verdade, ao invés de acreditar em mitologias que alguém criou para me alienar, dominar e roubar meu dinheiro, criei a minha.
- Posso ouvi-la?
- Claro, nela existe uma deusa, linda, sua face é angelical e seu olhar mágico e sincero. Suas curvas são perfeitas e mortais, e ela tem o poder de carregar quem a reverencia em segurança para onde for, gratuitamente. Mas pode ser mortal e matar em um piscar de olhos.
- Tem nome?
- Bom, chamo de estrada, enquanto não descobrir o nome da mulher que a governa.

R.F.

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