quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Sem Luz


Henrique acordou naquele domingo quase ao meio dia como de costume, já sem a coberta que seu pai havia tirado a mais de meia hora para fazê-lo acordar, já estava se habituando a isso. Levantou-se, foi ao banheiro fazer suas necessidades e no caminho já ligou seu Notebook. Quando saiu do banheiro notou que seus vizinhos estavam lendo no quintal, achou estranho, mas não deu muita bola. Quando começou a olhar suas redes sociais na internet seu pai o chamou para o almoço.
            Comeu pouco do churrasco e da mandioca naquele dia, pois havia bebido muito noite passada e estava sem fome como qualquer adolescente de ressaca. Seu pai insistia, mas já sabia do filho que tinha, por isso já não fazia a mesma quantidade de comida aos domingos.
            Quando terminou o almoço seu pai o fez lavar a louça, então lavou, pegou um copo de refrigerante e foi ao Note.
            Já havia acabado a bateria, “que bostas tecnológicas”, pensou ele enquanto pegava o carregador. Ligou na tomada, mas não adiantou, ficou um bom tempo tentando, mexendo, batendo no seu aparelho, mas nada adiantava. Seu pai olhava de canto, fumando um cigarro e tomando um conhaque com um sorriso um tanto debochado no rosto, se divertindo vendo o desespero do filho em relação a maquina que não ligava, até que falou:
            - Não adianta maltratá-lo guri, estamos sem luz desde a madrugada, vai dizer que não percebeu?
            - Sem luz? – respondeu Henrique – Como sem luz?? Você não pagou a conta de novo seu irresponsável?
            - Claro que paguei guri, o bairro inteiro está sem luz pelo que vi. Os nossos vizinhos aqui do lado, que sempre acordam cedo e ficam vendo televisão até o almoço, já vieram pedir alguns livros emprestados pra passar o tempo...
            - Meu Deus! Estamos sem TV também?!
            Que guri ignorante pensou o pai, o que eu fiz de errado? Então falou:
            - Claro Henrique! Achou que fosse a lenha seu imbecil?
            - Puta que o pariu pai, o que eu vou fazer em pleno domingo sem computador, sem TV, sem meu videogame?
            - Sei lá, vai jogar o verdadeiro futebol com teus amigos ao invés de ficar jogando sentado em frente uma TV, é uma boa oportunidade pra isso.
            - Tu só podes estar bêbado! Jogar futebol... Assim na rua tu dizes? Não sabe que isso cansa e eu posso até me machucar.
            Onde foi que eu errei, pensou novamente seu Adalberto, no seu tempo tinha que fugir dos pais pra poder jogar mais futebol na rua e hoje seu guri não quer jogar um pouco por necessidade, até ele tinha ficado com vontade de ir jogar na rua, não fosse sua hérnia... Começou a lembrar do seu tempo de peladeiro nas ruas de Santa Rosa, era sempre um dos primeiros a ser escolhido no campinho da rua. Mas lembrou que tinha um filho pra criar agora, pior que os colegas do filho provavelmente também tinham medo de jogar futebol na rua, então tentou outra abordagem, não mais esperançoso que antes.
            - Que tal ler um livro? Tu sabes que o pai tem uma boa biblioteca em casa.
            Esse velho só pode estar ficando caduco, pensou o guri, ler, em casa, sem ser a pedido da escola?? Porque eu faria isso? Não tem sentindo nenhum. Tentou ser educado na resposta, pois estava vendo o esforço do velho pai.
            - Obrigado pai, mas acho que vou voltar a dormir, ainda estou cansado de ontem, quem sabe quando acordar a luz já tenha voltado.
            - Você que sabe, respondeu seu Adalberto.
            Henrique voltou a dormir, e seu Adalberto, sabia que tinha grandes chances da luz não voltar ainda hoje, então resolveu seguir seu próprio conselho e pegou um livro para ler, pois sabia que era melhor ficar acordado agora do que de noite sem luz alguma. Na verdade iria reler, pois com a correria de trabalho e a quantidade de alternativas na televisão, fazia muito tempo que não ia a um Sebo comprar um livro. Olhando na sua estante, pegou um. O velho Hemingway pensou ele, esse sim sabe escrever, descrever um lugar, um dos autores que mais o sentia fazer parte da história, e ainda o faz relembrar seus velhos tempos pescando no rio Uruguai e lendo embaixo das árvores na encosta do rio... És tu mesmo, The Old Man and the Sea, disse vendo a capa de O Velho e o Mar. Então foi até a cozinha, fez um chimarrão, e leu todo o livro em uma térmica de água quente. Quando terminou já via o Sol querendo se esconder atrás dos prédios da cidade, resolveu dar mais uma caminhada para ver se havia algum sinal de energia elétrica.
            Por todas as ruas que passou a grande maioria das casas não dava sinal de vida, alguns poucos liam a pouca luz do Sol que ainda havia. Então voltou para casa, acendeu um cigarro, serviu uma dose de seu conhaque, sem gelo infelizmente, pensou ele, e ficou sentando esperando o sono bater. Quando terminou o conhaque foi dormir, afinal independente de qualquer coisa, segunda-feira é dia de trabalhar.
            Henrique acordou algumas horas depois, com muita dor nas costas por dormir tanto, tentou ligar a luz, não conseguiu, brigou um pouco com seu Note e sua TV e nada novamente. Que merda, pensou ele, ainda sem luz! A merda maior é que já gastei tudo e mais um pouco do meu sono nessa tarde.
            Caminhou um pouco pela casa só por caminhar, olhou pela janela, um breu que nunca tinha visto, por algum motivo gostou daquilo, foi para cozinha serviu um copo do conhaque de seu pai e foi tomar sentado em frente da casa. Olhou ao redor, não viu ninguém por perto, então olhou para cima, Meu Deus, pensou, o que são esses pontinhos no céu? E essa faixa meio esbranquiçada que passa por todo o céu, que maravilhoso, que bonito, isso sempre esteve ai? Pensou em voz alta. Como nunca reparei? Então ficou horas ali sentado olhando as estrelas e a Via Láctea que até então desconhecia, até que a bebedeira bateu e dormiu sentado.
            Na manha de segunda-feira, seu Adalberto levantou, tentou a televisão, ainda nada de luz, que merda, pensou, então tomou seu café com bolachas, já que os frios que tinham já estavam podres devido à falta da geladeira, e foi ao trabalho. Quando fechava o portão viu seu filho deitado na cadeira em frente à casa, que inconseqüente pensou ele, não sei como não o carregaram embora... Jogou uma pequena pedra em cima do filho, jogou outra, até que o guri levantou num susto, enquanto o filho olhava ao redor, com cara de assuntado ainda gritou:
- Vai tomar um banho frio e ir pra aula guri! Já está na tua hora!
Henrique levantou e entrou na casa.
Seu Adalberto indo ao trabalho tentou conectar o rádio e não conseguiu, então botou um CD e foi ouvindo música clássica. Quando chegou ao centro começou a notar que as coisas não iam bem, as sinaleiras não funcionavam, o Nacional havia sido completamente saqueado, assim como a loja de roupas de sua prima, coitada da Jessinha, pensou ele, que droga de gente, não sabem o quanto as pessoas lutam para isso... De repente freou bruscamente, havia cerca de dez corpos totalmente ensangüentados e esquartejados em sua frente, olhou na praça ao lado havia braços e cabeças por entre os bancos e árvores. Meu Deus, onde você esteve noite passada? Como isso pode acontecer? Deu uma ré rapidamente e chegou até o escritório. Chegando lá viu a cara de susto dos seus colegas, até o Marcão que deveria estar em La Paz agora, estava ali branco como todos.
- Vocês têm noção do que esta acontecendo? Marcão você não deveria ter viajado, poderia ter escapado dessa situação.
- De que jeito Adalba? Disse Marcão, os aeroportos estão todos fechados, não temos contato com nada e ninguém, toda a região, até onde tive noticias, está sem energia elétrica, cerca de doze policias morreram na última noite tentando impedir os saques, mas a população pra isso é mais forte que o estado.
- Alas puxa! A coisa enfeio mesmo. Aquilo lá na praça do centro, vocês viram? Se foi briga de gente, eles deviam estar muito alterados pra fazer aquilo.
- Bah Adalba, tem várias versões pra aquilo, tem um vizinho do meu irmão que disse que desceram do céu umas coisas, meio gente meio lagarto, que fizeram aquilo, mataram por matar e foram embora. Alguns representantes da prefeitura falaram que foi briga de gangues, mas ninguém dos bombeiros, policias e hospitais quis ir até lá recolher os corpos por medo.
- Barbaridade! Acho que vou pra casa ficar com meu guri então, sem computador não se trabalha mesmo e estou com medo de deixá-lo sozinho.
- Vai, mas com cuidado. Acho que não devemos entrar em pânico, por que afora esse massacre na praça, não ficamos sabendo de nenhum outro caso de morte por aqui. Mas é bom se proteger de qualquer forma.
- Certo, vou indo.
Saiu do escritório pegou o carro e voltou por outro caminho para casa, para não ver aquela cena novamente. De repente enquanto ia dirigindo até sua casa escutou uma espécie de campainha em sua cabeça. Que merda será agora pensou. Então escutou de dentro de sua cabeça uma voz fina e estranhamente estranha.
“Primeiramente amigos humanos, isso não é a voz de sua consciência, eu sou membro da OGU, Organização das Galáxias Unidas, e vou ser o comunicador dessa etapa de mudanças em seu planeta. Na última reunião da OGU, ficou decidido que iríamos retirar toda e qualquer forma de produção de energia elétrica do seu planeta até que vocês sejam capazes de produzir novamente. Aonde havia usinas nucleares e parque eólicos agora existe mata, aonde havia usinas hidrelétricas os rios fluem naturalmente, painéis para produção de energia solar foram desintegrados. Ou seja, vocês terão que se organizar em grande escala, vão precisar de toda educação que aprenderam nas escolas do mais básico até o mais avançado, se quiserem ver televisão e navegar na internet mais uma vez. E para os que estão se perguntando se havia algum representante da Terra nesse conselho, havia sim, e o senhor Raul Seixas concordou inteiramente com a medida tomada.”
 Minha nossa, pensou seu Adalberto, Raul não morreu! Devo estar enlouquecendo, que loucura. Deu uma gargalhada. Quando eu contar isso pro Henrique ele vai pedir pra eu parar de beber.
Olhando para o prédio da frente viu um tumulto estranho, pessoas ao redor olhando ao chão, algumas correndo para os lados, e o pior, algumas se jogando de cima dos prédios. Será que estavam tentando roubar lá em cima e acabaram sendo jogadas para baixo, pensou. Nisso viu se filho saindo do tumulto e acenando em sua direção.
- Pai, pai, você ouviu aquela voz na sua cabeça também?
- O que? Eu não estou louco? Vocês também ouviram?
- Sim pai, todo mundo ouviu, o Pedro falou que três gurias e dois guris do prédio dele se jogaram do oitavo andar depois de ouvir que não teríamos energia elétrica e teríamos que construir tudo novamente.
- Meu Deus, o que esse povo tem na cabeça?
- todo mundo desconfiado de tudo, não sabem o que vão fazer, como vão construir alguma coisa sem energia?
- Bah Henrique, eu é que não sei, mas deve ter alguma forma de chegar até a situação que estávamos tecnologicamente. E também, por mim, podemos ir se virando sem energia também.
O velho ficando louco pensou Henrique, viver sem energia, isso é impossível. Nisso chegou o amigo de seu Adalberto que trabalha na universidade.
- Pessoal, por favor, escutem, temos que nos unir, daqui à uma hora terá uma reunião em frente à universidade para ver o que podemos fazer, alguns professores e engenheiros acham que se todos trabalharem podemos fazer painéis de energia solar e represar boa parte do rio e conseguir energia pra cidade, mas parece que vai ser racionado, vamos ter somente algumas horas no dia para usar, e provavelmente vai demorar alguns meses até conseguir alguma coisa.
O povo que estava ao redor cochichou entre si ressabiado com essa história, Adalberto e Henrique foram indo pra universidade. Na hora da reunião havia apenas trinta pessoas lá, sendo que a cidade tem mais de trezentos mil habitantes. Foram chegando os boatos de porque tão pouca gente. Alguns diziam que muita gente foi embora com esperança que tivesse alguma coisa melhor em outras cidades, ocorreu muitas mortes nesses dois dias também, há boatos de mais de cinco mil mortes, sem saber ao certo o motivo. Alguns dizem que quem gritava com o tal mensageiro da OGU era morto na hora, mas eram somente boatos. Muitas pessoas também preferiram ficar em casa achando que estariam mais seguras e que a luz voltaria em algum momento.
A reunião foi uma baderna, sem organização nenhuma, cada um tinha uma idéia, e sempre quem dava a idéia colocava muito trabalho aos outros e ficava com o serviço da coordenação para si. Muitos se revoltaram, e depois que os dois engenheiros começaram a brigar a socos e pontapés seu Adalberto e Henrique decidiram que era hora de voltar. No caminho pra casa Henrique foi pensando em como poderia resolver esse problema, até que depois de algum tempo meditando descobriu qual era a solução para ele e seu pai saírem dessa situação nada agradável. Quando chegou em casa, pegou o 38 de seu pai e deu um tiro na cabeça dele enquanto ele lia distraidamente um livro, e chorando pegou a arma, colocou em baixo da sua própria cabeça e terminou de solucionar o problema.

G.G.

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