domingo, 28 de abril de 2013

DESPERTAR

          Ele levantou cedo, vestiu a camisa e a calça demoradamente. Caminhou até o banheiro, fazendo o mínimo possível de barulho. Ao passar pela cozinha, ligou a cafeteira e, após se lavar, preparou a costumeira torrada. Não a fez para ele, afinal de contas, o café da manhã é o mínimo de romantismo que ainda deve restar.
            Voltou ao quarto, calçou seu all star e beijou-a com um tom de despedida. Sabia que ela estava dormindo, mas dada a inconsequência da mente dela não sabia quando voltaria a vê-la. Atravessou o apartamento enquanto vestia seu  sobretudo, abriu a porta e desceu o lance de escadas que o lançaria à rua.
            Era jovem, mas se sentia alheio à juventude. Pensava consigo se era ele que tinha um fascínio pela música e pelos hábitos de outra época, ou simplesmente era essa geração que estava perdida. Talvez se tivesse vivido nos anos 60 ou 70 não pensaria assim, provavelmente iria detestar os Beatles e procuraria algo que ninguém gostasse. Poderia se tornasse um punk, afinal, a nossa vontade sempre busca o que não temos e viver como nossos pais, como diria o poeta, seja uma forma de buscar abrigo.
            Acendeu um cigarro, maldito cigarro. Alcançou o ponto e para sua sorte já conseguia avistar o ônibus que vinha a algumas quadras. Por incrível que pareça, deixou-o passar pelo simples fato de poder terminar seu cigarro.
            Essas pequenas escolhas mudam todo o desenrolar de um dia, e se pararmos para pensar na vida, ela é como uma roleta russa. Ele poderia ter tomado aquele ônibus e nele ter encontrado alguém especial, com quem pudesse ter uma ótima conversa, adicionar no facebook, namorar, criar filhos, enfim, tudo o que normalmente as pessoas um dia fazem com alguém que consideram especial.
            Procurar pessoas especiais é uma perda de tempo. E para ele a vida era algo totalmente aleatório, sem nada predestinado. Pensar nisso lhe causava depressão, ainda mais ao lembrar do que ela dizia. “Meu bem, por favor, te desprenda de tudo que fazes pensando no que os outros vão pensar. Pense só, sua vida inteira desperdiçada em algo que no fundo de nada valeu. Se fôssemos bons atores, isso ainda poderia parecer belo.”
            Mas o problema não é a beleza.
            Afinal, ao ator, rei dos artistas, ninguém precisa mais prestar homenagens. “O palhaço sempre conduzirá o espetáculo”. Claro, pouco valorizados, alguns fazendo bicos em outras áreas, talvez interpretando políticos, pegando emprestado da arte alguns discursos inflamados e olhares de persuasão.
            Mas se concentrara na frase, claro, era isso que ouvira na noite anterior e agora era o momento, percebeu. Começou a se debater como quando se sente muito frio, mas agora era de calor.
            Esquentou o sangue, como se o cérebro, na hora em que ele concluiu o pensamento, mandasse um aviso para o corpo se preparar. Vibraram os nervos, como se sua mente desejasse se vingar do fato de não ter ao menos pensado nessa solução. Traída por si mesma, ingênua e exposta, maldita mente e malditos bons atores. Os músculos enrijeceram. Era a hora, na verdade, já havia passado da hora.
           Caminhava como se ninguém pudesse pará-lo, passos largos e rápidos, seus músculos uivavam de tensão. Mais suspeito impossível, mais do que se estivesse correndo. Os punhos cerrados deixando transparecer que o ódio já começava a lançar na sua mente os sentimentos de mágoa e de rancor, que, por sua vez, começavam a se confundir com o arrependimento. Isso não era bom.
            Não se faz nada que o arrependimento já tenha condenado a não acontecer. Por isso a pressa.
            Chegou à porta com a pistola já na mão, entrou e foi cego ao quarto. No instante em que mudou de ambiente, ainda mais para este ambiente, lembrou das primeiras palavras dela. “Eu tenho o direito de interpretar e imaginar suas reações como eu bem entender, então agora é a sua vez, ou vamos brincar de outro jogo”.
            Baita atriz, lógico que a reação de qualquer um seria beijá-la. A performance foi ótima.
            Ela não estava na cama. Na cozinha, o prato vazio.
            Por um instante, aliviou-se. Inconscientemente sua mente já começara a trair sua vontade. Só restava, após o banheiro, que estava exatamente como ele havia deixado, a área de serviço. Ela tinha uma corda lá, as vigas do telhado sem forro, o nó estava perfeito.
            Abaixo a carta explicava tudo, e não mencionava seu nome. Entendera tudo errado, como era idiota. Percebeu que ela foi sincera, sempre, e agora não havia mais o que fazer, ela o libertara, Talvez isso fosse o que alguns insistem em chamar de amor.
            Precisava ir, antes contemplou-a pela última vez. A pistola ainda estava na sua mão.




            Rodrigo Fortes

Um comentário:

  1. Gostei do ritmo da narrativa e do rápido enrendo, mas o que achei realmente interessante foram os questionamentos levantados pelo personagem masculino, como o descrito no terceiro parágrafo, sobre a época e o comportamento diante da música.

    Costumo escrever contos também, mas não os publico ainda. Em meu blog escrevo crônicas rápidas.
    http://www.jeffersonreis.com/

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